sábado, 24 de janeiro de 2015

AULA: GÊNERO NOTÍCIA

Ensino Médio – 1º.ano
Disciplina: Língua Portuguesa
Disciplinas envolvidas: Língua Portuguesa, Biologia e Arte
1-      Título da proposta: Sala de aula faz notícia
 2- Conteúdos
a)Conteúdo estruturante: Discurso como prática social
b) Conteúdo Básico: Gêneros Textual: Notícia
c) Conteúdo específico:  Finalidade do gênero Notícia e suas características
Descritores do SAEP 005, 007, 009
3-Quantidade de aulas: 4
4- Recursos a serem utilizados:
Xerox da notícia inicial
Exemplares de jornal;
Tesoura; lápis; Cola; Cartolina; Canetas coloridas.
• dinâmica (trabalho em duplas);
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
 Ter habilidades básicas de leitura.
Objetivo:
- Identificar a finalidade dos textos do gênero notícia;
- Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato;
- Utilizar mecanismos discursivos e linguísticos de coerência e coesão textuais, conforme o gênero e os propósitos do texto.
Conteúdos:
- Gêneros jornalísticos;
- Elementos composicionais do gênero notícia;
- Usos da linguagem no gênero notícia;
- Análise de textos do gênero notícia;
- Produção de texto do gênero notícia.
PROBLEMATIZAÇÃO
Sustentabilidade é um termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Que ações nossa geração pode fazer para que não falte água para as próximas gerações?
03/11/2014 19h39 - Atualizado em 04/11/2014 09h19
Moradores fecham avenida em protesto contra falta d'água em Bauru

Eles afirmam que estão há mais de uma semana sem abastecimento. 
Grupo queimou pneus, galhos e pedaços de madeira na Castelo Branco.
Cerca de 50 pessoas, de acordo com a Polícia Militar, fizeram um protesto na noite de segunda-feira (3) por causa da falta de água em Bauru (SP).
Ainda de acordo com a PM, os manifestantes queimaram pneus, galhos e pedaços de madeira e fecharam a via nas quadras finais, próximo a rotatória de acesso a Rodovia Elias Miguel Maluf, que liga Bauru a Piratininga.
saiba mais
A polícia acompanhou o protesto que foi pacífico, apesar dos pneus e galhos queimados. Os bombeiros foram acionados para apagar as chamas e ninguém ficou ferido.
O Departamento de Água e Esgoto informou que a região é atendida pela captação do Rio Batalha, que está bem abaixo do nível. Nesta segunda-feira, o nível do rio era de 1,34 metro e apenas uma das três bombas de captação estava funcionando.

5- Encaminhamentos Metodológicos
1ª Etapa:Exploração do objeto
Proponha que observem as características, a estrutura e a forma de apresentação dessa notícia. Para isso, organize a turma em duplas de trabalho.
Nessa atividade, os alunos serão desafiados a:
• Observar uma notícia para identificar suas características e sua finalidade;
• Identificar os elementos da estrutura textual de uma notícia;
• Identificar os elementos da apresentação da notícia;
Procure sistematizar as informações: Características observadas no gênero textual Notícia:
• escrita em 3ª pessoa
• descrição de fatos
• atualidade
ATIVIDADES
Analisando os elementos da estrutura textual da notícia “Moradores fecham avenida em protesto contra falta d'água em Bauru”
• O quê aconteceu em Bauru?
• Quando isso aconteceu?
• Onde aconteceu?
• Como aconteceu?
• Por que aconteceu?
Elementos da apresentação da notícia:
•  Qual a manchete?
•Qual o lead?
• Identifique o texto principal.
   Qual a finalidade de uma notícia?
• Cite as informações adicionais.
Diferença entre notícia e reportagem
Explique aos seus alunos: Enquanto gênero jornalístico, a notícia é composta por uma estrutura definida, que pode apresentar pequenas variações conforme o suporte (jornal impresso, internet, etc.), mas que, em geral, segue os padrões de manchete, lead e corpo textual. Pela definição de jornalistas, a notícia seria um registro de um fato novo, recente, sem comentários, juízos de valor ou interpretação e, assim, é escrita em 3ª pessoa. Já a reportagem não necessariamente parte de um fato novo, possibilita um texto mais extenso, contemplando investigações mais detalhadas do assunto, permitindo a ocorrência de posicionamentos e opiniões.
2ª Etapa:
Forme pequenos grupos com os alunos e disponibilize jornais e revistas para análise: peça que destaquem alguns exemplos, identificando quais textos julgam serem informativos e quais indicam como opinativos. Ainda dentro da proposta, peça aos alunos que apontem também notícias e reportagens. Promova a socialização das observações dos grupos, anotando as justificativas que apresentarem para a classificação que fizeram. Observe, assim, o que os alunos já sabem sobre gêneros jornalísticos e, entre eles, as características do gênero notícia.

3ª. etapa
Por trás da notícia
Leve, para a sala de aula, notícias de um mesmo fato publicadas em diferentes jornais.
         Comparar manchetes, títulos e notícias sobre um mesmo fato.
         Estabelecer relação do conteúdo da notícia com outros textos lidos.
·         Observar os diferentes posicionamentos.
         Compreender e se posicionar criticamente diante da notícia.
Divida a classe em grupos e peça aos alunos que leiam as notícias. Durante a leitura, oriente-os a anotarem em uma tabela o que as notícias têm de semelhante e de diferente.
É importante que os alunos percebam que, embora o fato seja o mesmo, os autores podem relatá-lo de forma distinta.
Faça perguntas à turma:
         As informações contidas nas notícias são imparciais ou tendenciosas?
         Qual é a posição de cada uma das publicações?
Durante a leitura, observe se o grupo consegue estabelecer relações entre o conteúdo da notícia e outros textos. Instigue os alunos a concordarem, discordarem, criticarem e assumirem uma posição diante dos fatos.
4ª. Etapa
Propor aos alunos que façam o levantamento das ações que poderiam contribuir com a sustentabilidade em sua comunidade e depois da pesquisa produzir uma notícia. Informe aos estudantes que as fotografias precisam dialogar com o texto e que é de inteira importância uma boa escolha delas.
Atividade de Fechamento
Por fim, seguindo a sugestão da própria atividade da notícia acima “Moradores fecham avenida em protesto contra falta d'água em Bauru”, peça que os alunos elaborem uma notícia individualmente, utilizando a solução para a sustentabilidade que o colégio elegeu.
 Na aula seguinte, promova uma socialização e recolha as produções para avaliação. Observe se os alunos atenderam as características do gênero, sua estrutura e forma de apresentação.        
  Informar aos alunos que os melhores textos serão publicados em um jornal a ser produzido por eles.
V ETAPA
•          Levantamento das principais dificuldades encontradas.
•          Revisão dos textos produzidos nos aspectos:
         Estrutura textual: Organização espacial do texto; Parágrafos,  Coerência e coesão.
         Problema de ordem sintática: Concordância nominal e verba,  Regência.
         Problemas de ordem morfológica: Adequação vocabular;  Conjugação verbal, Forma de plural e  feminino; Uso da 3ª. pessoa
         Problemas de ordem fonológica: Ortografia: Acentuação; Divisão silábica.
•  A revisão dos textos será feita por etapas, por isso será disponibilizado um tempo.
6- Perspectiva de Abordagem interdisciplinar
Durante o trabalho com o gênero notícia o professor trabalhará de maneira interdisciplinar sem que o aluno perceba a mudança de disciplina, pois para que ele entenda as características do gênero e produza, ele precisará dessas informações de biologia, artes e língua portuguesa.
Sugestão de atividades interdisciplinar com biologia:
a) Visita a um corpo hídrico (um córrego, um rio, um lago) para observar as condições do seu entorno (vegetação, degradação do solo, lixo, etc.)
b) Relacionar a água com a vida na Terra
c) Identificar a importância da água: listando os usos
e) Identificar doenças relacionadas com a água e a forma de prevenção
f) Identificar atitudes adequadas para melhorar a vida no Planeta Terra, a partir de casa.
g) Propor soluções para minorar os problemas ambientais, listando-as e organizando sua implantação na comunidade escolar.
Sugestão interdisciplinar com a disciplina de Arte
Durante a pesquisa de notícias em jornais e durante a escolha das fotos para ilustrar as notícias.
Avaliação:
Será considerado o trabalho individual e coletivo, bem como as apresentações realizadas.
 OBS: Acompanhar a produção textual dos alunos e sempre que necessário fazer intervenções objetivando o aprimoramento da escrita.
7- Material Complementar
Como o gênero notícia cai nas avaliações externas
1-
O dia em que o peixe saiu de graça
Uma operação do Ibama para combater a pesca ilegal na divisa entre os Estados do Pará, Maranhão e  Tocantins incinerou 10 km de redes usadas por pescadores durante o período em que os peixes se reproduzem. Embora tenha um impacto temporário na atividade na região, a medida visa preservá-la ao longo prazo, evitando o risco de extinção dos animais. Cerca de 15 toneladas de peixes foram apreendidas e doadas para instituições de caridade.
Época. 23 mar. 2009 (adaptado).
A notícia acima, do ponto de vista de seus elementos constitutivos,
a)   apresenta argumentos contrários à pesca ilegal.
b)   tem um título que resume o conteúdo do texto.
c)   informa sobre uma ação, a finalidade que a motivou e o resultado dessa ação.
d)   dirige-se aos órgãos governamentais dos estados envolvidos na referida operação do Ibama.
e)   introduz um fato com a finalidade de incentivar movimentos sociais em defesa do meio ambiente.

2- Leia o texto abaixo.
Texto I
“A água evapora dos oceanos, cai sobre a terra, aflui para os rios e escorre de volta para o mar – e parece, assim, ser um recurso ilimitado. Mas apenas 2,5 % da água do planeta é doce e a maior parte dela está congelada nos pólos. Assim, de toda a água doce existente, apenas 0,6 % pode ser utilizada. Para piorar, mudanças climáticas podem alterar a distribuição dos locais e dos períodos de cheias, e a elevação do nível dos mares pode tornar salobra a água doce dos litorais.[... ]Cada pessoa necessita de pelo menos meio metro cúbico de água limpa por dia, para beber, cozinhar e manter a higiene pessoal. Mas um sexto da população mundial tem de se contentar com menos do que isso.O fantasma da sede. National Geographic Brasil.n.12.Abril, 2001.v.1
Texto II
Água que nasce na fonte serena no mundo
E que abre um profundo grotão
Água que faz inocente riacho e deságua
Na corrente do ribeirão
Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias e matam a sede da população
Águas que caem das pedras no véu das cascatas,
Ronco de trovão
E depois dormem tranquilas no leito dos lagos,
No leito dos lagos
Águas dos igarapés, onde Iara, a mãe d
É misteriosa canção
Água que evapora, pro céu vai embora,
Virar nuvem de algodão
Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação
Gotas de água da chuva, tão triste, são lágrimas na inundação
Águas que movem moinhos são as mesmas águas que
Encharcam o chão
E sempre voltam humildes pro fundo da terra,
Pro fundo da terra
Terra, planeta água....
Planeta água (Guilherme Arantes)
Fonte: planetaagua.guilhermearantes.letrasdemusicas.
Esses dois textos se assemelham, quanto ao:
A) espaço.
B) gênero.
C) objetivo.
D) tema.
E) tempo.
3- Leia o texto abaixo.
Eu sou filho do Nordeste, não nego meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem
Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.
Disponível em: .
Vaca Estrela e boi Fubá. De Patativa do Assaré.
A Triste Partida

Luíz Gonzaga
...Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: “isso é castigo
não chove mais não”

Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José...

Esses textos falam sobre
A) a vegetação do nordeste.
B) a seca do nordeste.
C) o clima do nordeste.
D) o sertão nordestino.
Disponível em:

Referências
Sites
Fonte: planetaagua.guilhermearantes.letrasdemusicas




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domingo, 8 de janeiro de 2012

A Doida de Carlos Drummond de Andrade

Hoje sonhei com minha mãe e fiquei pensando o dia todo nela. Uma tarde, aqui em casa ela me perguntou se eu já havia lido o conto "A Doida", de Drummond. Eu respondi que não e não estava com vontade de ler naquele dia, mas ela insistiu muito e li em voz alta para nós, no meu quarto. Logo no início vi que não iria conseguir chegar até ao fim lendo em voz alta. E ela que já o conhecia muito bem, já no começo, começou a chorar. Foi o último texto literário que lemos juntas. Em seguida comecei a procurar o que havia em vídeo sobre esse conto e achamos um ótimo trabalho.
Hoje, decidi  fazer essa postagem depois de um longo período sem postagens.  Depois de muito procurar vi que fazia parte do “Contos de Aprendiz”, mas todos os links pra download faltava o final. Até que finalmente achei o tal conto na íntegra, então, abaixo transcrito A Doida:

A doida

                                                                                         (Carlos Drummond de Andrade
                                                                                   In: Contos de Aprendiz.)

A doida habitava um chalé no centro do jardim maltratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninos costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à esquerda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita, o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo silêncio, o burro pastava. Rua cheia de capim, pedras soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não mandava capiná-la?

Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer visitas, receber cartas, entrar para irmandade. E isso não comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que miséria. E os três sentiam-se inclinados a lapidar a doida, isolada e agreste no seu jardim. Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado, numa das janelas da frente, as mãos magras, ameaçando. Os cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas, numa voz rouca. Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns pareciam escabrosos, e todos fortíssimos na sua cólera.

Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de 60 anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva de um fazendeiro, e o casamento, uma festa estrondosa; mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara, Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escada abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois nunca mais se viram. Já outros contavam que o pai, não o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o velho sentira um amargo diferente no café, ele que tinha dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas nos racontos antigos abusava-se de veneno. De qualquer modo, as pessoas grandes não contavam a história direito, e os meninos deformavam o conto. Repudiada por todos, ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações. Ninguém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava o pão na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Diziam que nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, provisões e roupas, embora oficialmente a ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velha arriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência educada no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses, cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida, pedir a bênção à doida, jantar em casa da doida, passou a ser, na cidade, expressões de castigo e símbolos de irrisão.
Vinte anos de tal existência, e a legenda está feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espírito das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo, por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se na mente infantil a idéia de um equilíbrio por compensação, que afogava o remorso.

Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quando meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo, com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito para internar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes não se interessavam. E daí – explicava-se ao forasteiro que porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus doidos; quase que toda família os tem. Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacificamente pelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficasse doido... Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura; nunca nenhum doido se curou, que a cidade soubesse; e a cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem.

Os três verificaram que quase não dava mais gosto apedrejar a casa. As vidraças partidas não se recompunham mais. A pedra batia no caixilho ou ia aninhar-se lá dentro, para voltar com palavras iradas. Ainda haveria louça por destruir, espelho, vaso intato? Em todo caso, o mais velho comandou, e os outros obedeceram na forma do sagrado costume. Pegaram calhaus lisos, de ferro, tomaram posição. Cada um jogaria por sua vez, com intervalos para observar o resultado. O chefe reservou-se um objetivo ambicioso: a chaminé.

O projétil bateu no canudo de folha-de-flandres enegrecido – blem – e veio espatifar uma telha, com estrondo. Um bem-te-vi assustado fugiu da mangueira próxima. A doida, porém, parecia não ter percebido a agressão, a casa não reagia. Então o do meio vibrou um golpe na primeira janela. Bam! Tinha atingido uma lata, e a onda de som propagou-se lá dentro; o menino sentiu-se recompensado. Esperaram um pouco, para ouvir os gritos. As paredes descascadas, sob as trepadeiras e a hera da grade, as janelas abertas e vazias, o jardim de cravo e mato, era tudo a mesma paz.

Aí o terceiro do grupo, em seus 11 anos, sentiu-se cheio de coragem e resolveu invadir o jardim. Não só podia atirar mais de perto na outra janela, como até, praticar outras e maiores façanhas. Os companheiros, desapontados com a falta do espetáculo cotidiano, não, queriam segui-lo. E o chefe, fazendo valer sua autoridade, tinha pressa em chegar ao campo.

O garoto empurrou o portão: abriu-se. Então, não vivia trancado? ...E ninguém ainda fizera a experiência. Era o primeiro a penetrar no jardim, e pisava firme, posto que cauteloso. Os amigos chamavam-no, impacientes. Mas entrar em terreno proibido é tão excitante que o apelo perdia toda a significação. Pisar um chão pela primeira vez; e chão inimigo. Curioso como o jardim se parecia com qualquer um; apenas era mais selvagem, e o melão-de-são-caetano se enredava entre as violetas, as roseiras pediam poda, o canteiro de cravinas afogava-se em erva. Lá estava, quentando sol, a mesma lagartixa de todos os jardins, cabecinha móbil e suspicaz. O menino pensou primeiro em matar a lagartixa e depois em atacar a janela. Chegou perto do animal, que correu. Na perseguição, foi parar rente do chalé, junto à cancelinha azul (tinha sido azul) que fechava a varanda da frente. Era um ponto que não se via da rua, coberto como estava pela massa de folha gemo A cancela apodrecera, o soalho da varanda tinha buracos, a parede, outrora pintada de rosa e azul, abria-se em reboco, e no chão uma farinha de caliça denunciava o estrago das pedras, que a louca desistira de reparar.

A lagartixa salvara-se, metida em recantos só dela sabidos, e o garoto galgou os dois degraus, empurrou cancela, entrou. Tinha a pedra na mão, mas já não era necessária; jogou-a fora. Tudo tão fácil, que até ia perdendo o senso da precaução. Recuou um pouco e olhou para a rua: os companheiros tinham sumido. Ou estavam mesmo com muita pressa, ou queriam ver até aonde iria a coragem dele, sozinho em casa da doida. Tomar café com a doida. Jantar em casa da doida. Mas estaria a doida?

A princípio não distinguiu bem, debruçado à janela, a matéria confusa do interior. Os olhos estavam cheios de claridade, mas afinal se acomodaram, e viu a sala, completamente vazia e esburacada, com um corredorzinho no fundo, e no fundo do corredorzinho uma caçarola no chão, e a pedra que o companheiro jogará.

Passou a outra janela e viu o mesmo abandono, a mesma nudez. Mas aquele quarto dava para outro cômodo, com a porta cerrada. Atrás da porta devia estar a doida, que inexplicavelmente não se mexia, para enfrentar o inimigo. E o menino saltou o peitoril, pisou indagador no soalho gretado, que cedia.

A porta dos fundos cedeu igualmente à pressão leve, entreabrindo-se numa faixa estreita que mal dava passagem a um corpo magro.

No outro cômodo a penumbra era mais espessa parecia muito povoada. Difícil identificar imediatamente as formas que ali se acumulavam. O tato descobriu uma coisa redonda e lisa, a curva de uma cantoneira. O fio de luz coado do jardim acusou a presença de vidros e espelhos. Seguramente cadeiras. Sobre uma mesa grande pairavam um amplo guarda-comida, uma mesinha de toalete mais algumas cadeiras empilhadas, um abajur de renda e várias caixas de papelão. Encostado à mesa, um piano também soterrado sob a pilha de embrulhos e caixas. Seguia-se um guarda-roupa de proporções majestosas, tendo ao alto dois quadros virados para a parede, um baú e mais pacotes. Junto à única janela, olhando para o morro, e tapando pela metade a cortina que a obscurecia, outro armário. Os móveis enganchavam-se uns nos outros, subiam ao teto. A casa tinha se espremido ali, fugindo à perseguição de 40 anos.

O menino foi abrindo caminho entre pernas e braços de móveis, contorna aqui, esbarra mais adiante. O quarto era pequeno e cabia tanta coisa.

Atrás da massa do piano, encurralada a um canto, estava a cama. E nela, busto soerguido, a doida esticava o rosto para a frente, na investigação do rumor insólito.Não adiantava ao menino querer fugir ou esconder-se. E ele estava determinado a conhecer tudo daquela casa. De resto, a doida não deu nenhum sinal de guerra. Apenas levantou as mãos à altura dos olhos, como para protegê-los de uma pedrada.

Ele encarava-a, com interesse. Era simplesmente uma velha, jogada num catre preto de solteiro, atrás de uma barricada de móveis. E que pequenininha! O corpo sob a coberta formava uma elevação minúscula. Miúda, escura, desse sujo que o tempo deposita na pele, manchando-a. E parecia ter medo.

Mas os dedos desceram um pouco, e os pequenos olhos amarelados encararam por sua vez o intruso com atenção voraz, desceram às suas mãos vazias, tornaram a subir ao rosto infantil.

A criança sorriu, de desaponto, sem saber o que fizesse.

Então a doida ergueu-se um pouco mais, firmando-se nos cotovelos. A boca remexeu, deixou passar um som vago e tímido.

Como a criança não se movesse, o som indistinto se esboçou outra vez. Ele teve a impressão de que não era xingamento, parecia antes um chamado. Sentiu-se atraído para a doida, e todo desejo de maltratá-la se dissipou. Era um apelo, sim, e os dedos, movendo-se canhestramente, o confirmavam.

O menino aproximou-se, e o mesmo jeito da boca insistia em soltar a mesma palavra curta, que entretanto não tomava forma. Ou seria um bater automático de queixo, produzindo um som sem qualquer significação?

Talvez pedisse água. A moringa estava no criado - mudo, entre vidros e papéis. Ele encheu o copo pela metade, estendeu-o. A doida parecia aprovar com a cabeça, e suas mãos queriam segurar sozinhas, mas foi preciso que o menino a ajudasse a beber.

Fazia tudo naturalmente, e nem se lembrava mais por que entrara ali, nem conservava qualquer espécie de aversão pela doida. A própria idéia de doida desaparecera. Havia no quarto uma velha com sede, e que talvez estivesse morrendo.

Nunca vira ninguém morrer, os pais o afastavam se havia em casa um agonizante. Mas deve ser assim que as pessoas morrem.

Um sentimento de responsabilidade apoderou-se dele. Desajeitadamente, procurou fazer com que a cabeça repousasse sobre o travesseiro. Os músculos rígidos da mulher não o ajudavam. Teve que abraçar-lhe os ombros – com repugnância – e conseguiu, afinal, deitá-la em posição suave.

Mas a boca deixava passar ainda o mesmo ruído obscuro, que fazia crescer as veias do pescoço, inutilmente. Água não podia ser, talvez remédio...

Passou-lhe um a um, diante dos olhos, os frasquinhos do criado-mudo. Sem receber qualquer sinal de aquiescência. Ficou perplexo, irresoluto. Seria caso talvez de chamar alguém, avisar o farmacêutico mais próximo, ou ir à procura do médico, que morava longe. Mas hesitava em deixar a mulher sozinha na casa aberta e exposta a pedradas. E tinha medo de que ela morresse em completo abandono, como ninguém no mundo deve morrer, e isso ele sabia que não apenas porque sua mãe o repetisse sempre, senão também porque muitas vezes, acordando no escuro, ficara gelado por não sentir o calor do corpo do irmão e seu bafo protetor.

Foi tropeçando nos móveis, arrastou com esforço o pesado armário da janela, desembaraçou a cortina, e a luz invadiu o depósito onde a mulher morria. Com o ar fino veio uma decisão. Não deixaria a mulher para chamar ninguém. Sabia que não poderia fazer nada para ajudá-la, a não ser sentar-se à beira da cama, pegar-lhe nas mãos e esperar o que ia acontecer.
 


É Bela e cativante a maneira com que autor descreve uma singela passagem na vida de dois seres tão distintos e próximos por uma única razão: A HUMANIDADE PRESENTE EM CADA VIVENTE!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Orações para Bobby

 
 
RELATO DE ATIVIDADE DO CURSO DE DIVERSIDADES
Realizamos nas dependências do Colégio Estadual Unidade Polo- Ensino Fundamental e Médio um dos encontros do curso de Diversidades por meio da Coordenação da Supervisora Marlene, que aconteceu no Mês de setembro e teve como tema homossexualidade.

Escolhemos para estudo e debate o filme “Orações para Bobby", com o objetivo de orientação, reflexão e questionamento. É um filme baseado em um livro do mesmo título, de Leroy Aarons. Fala sobre o drama de ser homossexual na adolescência e em uma família muito religiosa. Um jovem se suicida após se sentir rejeitado pela mãe. A morte provoca um terremoto na família conservadora, e a história fica mais interessante com os desdobramentos: os parentes ficam se remoendo de culpa até encontrarem um caminho mais digno de superar o trauma.

O filme mostra a História de Mary Graffith e de como ela decidiu procurar saber a interpretação que bíblia diz sobre homossexualidade após o suicídio de seu filho. Para Mary Griffith infelizmente a história acabou de forma trágica, entretanto sua história mudou a vida de centenas se não de milhares de famílias norte-americanas que se deram a oportunidade de amar e compreender seus filhos acima de tudo e qualquer coisa. Mary passou a lutar pelos seus direitos.

O filme termina com a célebre frase de Mary: "Antes de dizerem amém em suas casas e igrejas pensem. Pensem e lembrem-se uma criança está ouvindo". Mary Griffith.

Quando o filme acabou estávamos muito emocionados, mal conseguíamos dar nossas opiniões. Mas, mesmo assim, demos nossas impressões, não havendo no grupo discordância. E foi unânime a aprovação das ideias que o filme relata e ainda citamos casos em que devemos nos preocupar principalmente no âmbito escolar e justamente na idade em que o adolescente mais sofre esse tipo de preconceito. Alguns professores quiseram passar o filme para o seu pen drive para poder repassá-lo aos seus familiares e amigos.

O gênio Rui Barbosa, em seu célebre discurso "Oração aos Moços", de 1919, já plantara a ideia de que a maior desigualdade que se pode cometer é tratar com igualdade os desiguais.

Ele fazia referência ao que hoje chamamos respeito à diversidade.

"Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho."

 (Rui Barbosa,1919)
A questão da igualdade entre os seres humanos aflige as mentes pensantes desde há muito tempo. Nós, profissionais da educação temos que estar sempre atentos para com o jovem que apresente alguma diversidade seja visto sempre pelo seu caráter, personalidade e dons intelectuais e principalmente, como ser humano.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conto: Baleia

Estou postando o conto " Baleia" para os alunos dos terceiros anos que perderam a leitura do conto e o filme " Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Também pode ser encontrado na obra " Os Cem melhores contos  Brasileiros do Século XX, de Italo Moriconi na Sala de Leitura.


                                  Baleia
Graciliano Ramos

A CACHORRA Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.

Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa nas base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.

Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que advinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:

- Vão bulir com a Baleia?

Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se difereciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiquiro das cabras.

Quiseram mexer na taramela e abrir a porta, mas sinhá vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os pequenos resistissem, aperreou-­se e tratou de subjugá-los, resmungando com energia.

Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia.

Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia.

Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como sinhá Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga:

- Capeta excomungado.

Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens.

Pouco a pouco a cólera diminuiu, e sinhá Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável.

Nesse momento Fabiano andava no copiar, batendo castanholas com os dedos. Sinhá Vitória encolheu o pescoço e tentou encostar os ombros às orelhas. Como isto era impossível, levantou um pedaço da cabeça.

Fabiano percorreu o alpendre, olhando as barúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis:

-Ecô! ecô!

Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a e esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos de Baleia, que se pôs latir desesperadamente.

Ouvindo o tiro e os latidos, sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na caca chorando alto. Fabiano recolheu-se.

E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí por um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos.

Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda.

Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha as folhas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteira, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-­se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latina: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tomavam-se quase imperceptíveis.

Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra.

Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava­se.

Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.

Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinha fugido.

Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.

O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sossegou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.

Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera. Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.

Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.

Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a importância em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades.

Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinhá Vitória guardava o cachimbo.

Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado.

Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil no barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.

Provavelmente estava no cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha.

A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do outro peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.

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Fonte: RAMOS, Graciliano. Vidas secas, 82ªed. Rio de Janeiro: Record. 2001. p. 85-91.

Entregar uma resenha crítica no dia 15 de setembro.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Pequeno Príncipe no ensino de jovens e adultos


Este ano estou com uma turma bem diferente. A turma pertence ao ensino de jovens e adultos do ensino fundamental. São doze alunos em diferentes faixas etárias, com vários objetivos, mas a maioria com grande interesse em conseguir recuperar o tempo perdido. Ao observar a turma, percebi que sua expectativa quanto ao ensino de Língua Portuguesa era muito preocupante. Muitos achavam que não iriam conseguir ir até o final do curso. Principalmente quando comentei sobre as atividades de produção de textos. Para sanar essa preocupação resolvi investigar suas preferências literárias. O que já tinham lido, os filmes que haviam assistido os gêneros preferidos. Após esta análise pude verificar que as histórias ficcionais eram as que mais despertavam seus interesses, como também os temas de amor, justificadas pela própria idade. Alguns também demonstraram interesse por relacionamentos em geral, por isso decidi apresentar-lhes a obra “O Pequeno Príncipe”, em uma edição de colecionador. Após mostrar-lhes o livro e algumas passagens famosas, comecei a exibição do filme. No final desta etapa distribui as questões a serem trabalhadas em equipes conforme as séries.

As questões são as seguintes:

Séries iniciais:

a) Pesquise em sites de temas literários,todos personagens da obra e suas metáforas, isto o significado de cada personagem.

b) Qual a mensagem da raposa?

Séries finais:

a) Escolha 10 frases marcantes da obra e explique o que o autor quis dizer literalmente.

Na sequência, pedi que os alunos fossem ao laboratório de informática para fazerem as pesquisas na internet afim de que confrontem a opinião dos blogueiros com as suas. A partir dessas atividades pude perceber que o grau de interesse pela obra aumentou, percebendo o valor estético da obra e se identificando com ela.